Crônicas

    Cheiro de Terra Molhada

           Campos com áreas planas cultivadas e horizontes curvos distantes. Sol, muito sol, chuva, muita chuva. Campos cor palha de mato seco e poeira, ou verdes e lama. Cenário no qual faço parte frequentemente como instrutor de cursos e treinamentos em propriedades rurais. Mestre e seus aprendizes em atividades excepcionalmente nobres, ensinar e aprender o respeito à água, à irrigação. Acompanhar a trajetória do sol, seguir faixas lácteas à noite, flagrar luas cheias em certas manhãs. Assim sigo dia após dia, quando em trabalhos de campo. Dessa forma, entre auroras e poentes, ganho meu sustento.
Após o plantio, sementes se lançam fortes fora do solo, com água crescem, se enchem de folhas, florescem, frutificam. Sementes novamente, são também recursos instrucionais. Contribuição à manutenção da vida e respeito à água como base de nossas existências. Em rios, lagos, córregos, máquinas inteligentes retiram e conduzem água aos plantios assegurando produtividade e a garantia do alimento. Bombeamentos precisos, automatizados e programados asseguram a remessa de lucros. Equipamentos complexos em casas de bombas engenhadas. Habilidades operacionais são repassadas, o aprendizado é um fato. Mestre e aprendiz frente a frente, lado a lado.
Atividades encerradas e os trabalhadores seguem para suas casas, para suas famílias. Casas fragmentadas são seus abrigos, quase sempre em vilas próximas, também fragmentadas. Casas raramente engenhadas, casas de bombas vivas, que dentro do peito de homens, mulheres, crianças e velhos, conduzem sangue aos pontos mais longínquos de seus corpos. Bombeamentos forçados, imprevisíveis em peitos igualmente fragmentados, garantem o outro dia, o prosseguimento dos trabalhos cuidadosos de fornecimento de água às plantas.
Os cuidados são muitos, cada detalhe é observado. As distâncias são grandes, caminhar é preciso. Perigos constantes, atenção aos avisos e placas. Eletricidade e seus campos magnéticos ameaçam. Descargas elétricas assustam. Defensivos devem ser manipulados. Animais bons, outros não, nos observam sem que possamos vê-los. Equipamentos de segurança são conferidos. Sedentos e a garrafa de água vazia. Nossos músculos fragilizados frente à força dos motores. O controle, a prevenção, o saber, o conhecimento e a fé como a maior defesa.    
Em meio às plantas o ar é puro, carregado de verde, oxigênio e água. Alguns ventos trazem a sensação de leveza, de liberdade. Cheiro de terra molhada, cheiro de chuva. Com um punhado de solo radicular nas mãos, entre os dedos, confirma-se a umidade suficiente para o milagre da fotossíntese. Das raízes às folhas, a água chega a seus pontos extremos através de um dos bombeamentos mais precisos que se conhece. Com este último ensinamento passado pelo mestre o aprendizado se torna completo. Ciclos concluídos, grãos prontos e aprendizes formados. Só resta aguardar a colheita, e assim, sem qualquer formalidade, se despedem entre si com a certeza de um reencontro.

                                       David Rodrigues Villamagna